AUGUSTO DE FRANCO - (16/06/2013)
Sobre as tentações militantes que acossam alguns participantes
das manifestações de rua em São Paulo e alhures
GUERRA OU PAZ?
Publicado por Augusto
de Franco em 17 junho 2013 às 9:34 em A TERCEIRA INVENÇÃO DA DEMOCRACIA - Back to A TERCEIRA
INVENÇÃO DA DEMOCRACIA Discussions
Participei de muitas manifestações de rua. A mais famosa
ficou conhecida como "Passeata dos 100 mil". Não eram assim tão
espontâneas, nem convocadas peer-to-peer como algumas que, felizmente, vemos
hoje. Eram articuladas centralizadamente ou descentralizadamente (quer dizer,
multicentralizadamente), não distribuidamente (e se alguém ainda não entende
essa diferença - entre descentralizado e distribuído - não poderá entender
quase nada do que vou dizer aqui).
“ ... Meu objetivo e os dos meus camaradas não era evitar a violência
e sim provocá-la. Queríamos desmascarar a
ditadura militar para desestabilizá-la. Assim, queríamos que as forças repressivas
reprimissem de fato violentamente as manifestações. Não éramos
suicidas e não queríamos matar ninguém, mas um cadáver produzido pela repressão
seria politicamente muito bem-vindo. Um cadáver era uma bandeira preciosíssima.
Então nos organizávamos para o confronto, ou para desencadear o confronto.
Íamos armados de vários objetos, desde coquetéis molotov, bombas caseiras,
bolinhas de gude e rolhas (para derrubar os cavalos), forquilhas de pregos
soldados para furar pneus... Enfim, nos preparávamos como quem vai para a
guerra. Afinal, éramos militantes (e a origem da palavra diz quase tudo). NÃO ÉRAMOS AGENTES
DA PAZ E SIM DA GUERRA.
...
... embora falássemos em democracia
frequentemente, não estávamos convertidos à democracia e, na verdade, não
tínhamos a menor noção do que era democracia. ÉRAMOS
ANALFABETOS DEMOCRÁTICOS.
Os militantes e ativistas de hoje ...
confundem ditadura com democracia
...
... Nós convocávamos mesmo, de modo
mais centralizado do que distribuído, a massa: para arrebanhá-la, conduzi-la, instrumentalizá-la (sempre para um
bom propósito, é claro), enquanto alguns de hoje (não todos, felizmente)
imaginam tolamente que estão convocando, de modo descentralizado, as
manifestações da multidão. ... Quanto menos
eles - os militantes e ativistas adversariais - podem, mais pode a sociedade
(quer dizer, a rede social).
... grupos que se preparam para a guerra. ... bastam alguns
grupos determinados a provocar a repressão policial violenta para desencadear
um confronto de consequências imprevisíveis, provavelmente desastrosas.
... Iniciada a espiral da violência, a coisa anda sozinha e
corre solta. A indignação popular com a
repressão policial-militar às manifestações de rua tende ... a engrossar as manifestações. Quem
não ligava para o assunto, passa também a se indignar. Milhares de novos manifestantes
aderem aos protestos. Novos agentes provocadores surgem também,
espontaneamente, em função da dinâmica que foi desencadeada. De 30 passam para
300, 3 mil... Se a violência continua, de parte a parte, pode-se desestabilizar
até mesmo o regime político. E aí?
Bem, aí o poder, é claro, não vai
para o povo como pensam os babacas ...
Isso não acontecerá, todavia, se multidões ocuparem as ruas.
Quando centenas
de milhares, milhões, saem as ruas, não há mais repressão possível. Mas
multidões de pessoas conectadas - e formadas a partir de miríades de
micromotivos diferentes (compondo uma grande murmuration) - não são massas
arrebanhadas. ...
Uma multidão de milhões não pode
ser convocada centralizadamente, nem mesmo descentralizadamente. Ela
acontece por um mecanismo distribuído próprio da rede.
Ela é a manifestação de uma fenomenologia da interação, um swarming
(enxameamento).
...
O importante é não iniciar uma
espiral de violência. O importante é construir a paz e não a guerra.
As democracias não nascem de
rebeliões, nem de revoluções entendidas como atos violentos de remoção dos
antigos ocupantes dos cargos de poder e sua substituição por novos ocupantes. Todos os processos que foram assim
desencadeados produziram mais autocracia, não mais democracia. Estreitaram a
brecha democrática que foi aberta, uma ou outra vez na antiguidade e na
modernidade, na civilização patriarcal e guerreira. Restringiram em vez de
ampliar as liberdades.
As primeira medidas dos governos
revolucionários que chegaram ao poder pela violência foram, via de regra, a
abolição da liberdade de imprensa e da liberdade de organização, a instalação
de polícias políticas e a ereção de monstruosos aparelhos estatais de
repressão. Ademais, provocaram verdadeiros genocídios, os maiores de que se tem
notícia na história.
Atribui-se ao Mahatma Gandhi o dito de que não existe um caminho para a paz, a paz é o caminho.
O mesmo pode ser dito da liberdade, da materialização do ideal de liberdade
como autonomia e da democracia como modo pazeante de regulação de conflitos. Não existe caminho para a democracia: a democracia é o
caminho. ...
Sim, vamos ocupar todas as ruas.
Amanhã, depois e quando desejarmos. Que sejamos
multidões formadas por iterações de um-mais-um, não rebanhos reunidos e
manipulados, massas uniformes e indiferenciadas gritando palavras de ordem
fabricadas em algum covil de militantes tarados ou seguindo bandeiras de
partidos autocráticos e oportunistas. Seremos
milhares, centenas de milhares, milhões: mas um-a-um, pessoas únicas cada um de
nós, pensando com nossas próprias cabeças, compartilhando nossos desejos de
mudança horizontalmente, com nossos próprios emaranhados e recusando diretivas
daqueles hierarcas ou proto-hierarcas que querem nos conduzir.
Não à guerra. E que a paz esteja
conosco!
...
Somos muitos, sim, mas um-a-um: nada de rebanho, nada de seguimento de
lideranças, nada de caminhos pré-traçados para um porvir radiante, nada de
revoluções épicas, nada de transformações cósmicas capazes de produzir um novo
céu e uma nova terra. ...
Nós somos os que desobedecem, no
dia a dia, nos pequenos gestos, salvando os mundos em que interagimos um
instante de cada vez e não em formidáveis batalhas episódicas. Nós não achamos
que todo mal que nos assola será redimido quando vencermos algum grande
inimigo. Sabemos que o único inimigo que existe é aquele que constrói inimigos
para lutar contra eles.
Não somos nem queremos ser heróis
ou santos, que fugiram da humanidade porque não se achavam bons o bastante.
Heroísmo ou santidade não convêm a seres humanos.
Não temos mais raízes: temos
antenas. Não pertencemos a grupos e não
erigimos organizações, não construímos diques e não lançamos âncoras para
nos proteger da correnteza, para escapar do fluxo caudaloso... Não temos medo
do abismo da interação. Quando o abismo nos olha, pulamos nele.
Nós somos as pessoas comuns.
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